Domingo, 8 de Janeiro de 2012

2. Alívio não existe.

 

2. Alívio não existe.

 


2.1 Margaret

 Sentia o meu corpo molhado ao contrário dos últimos momentos em que estive acordada, chegou a estar tão seco que fazia a pele estalar, proporcionando uma dor nada atraente. Pestanejei com força e olhei para à frente vendo o chuveiro a mandar água para cima de mim. Tinha uma mão a segurar-me na cabeça e outra nos ombros.
                -Tinhas razão, ela está a acordar. – ouvi um rapaz com uma voz preocupada, o outro disse algo que não consegui perceber enquanto se ria. -Cala-te. – Resmungou o primeiro. Olhei para o meu corpo e encolhi-me ao perceber que estava nua e que tinha rapazes a olharem-me. O primeiro rapaz que falou, arregalou os olhos verdes e abriu a boca como se fosse pedir desculpas, era o rapaz que me tinha agarrado e tirado do nevoeiro, o outro era o que tinha levado Ryan… - Vai buscar uma toalha. – mandou sem me dizer nada.
                -Porquê eu? – Perguntou o que estava em pé a olhar.
                -Vai Gui – ordenou o que me tinha segurado levantando-se enquanto eu me tapava com as mãos. O suposto Gui foi buscar-me a toalha e estendeu-a ao outro com um sorriso divertido. O rapaz tapou-me e eu levantei-me um bocado fraca e com as feridas nas minhas costas a arderem por causa do toque rugoso da toalha branca.
                -Chamo-me Damien – sorriu o rapaz enquanto me ajudava a sair da banheira e depois apontou para o outro – Este é o Gui de Guilherme. Vimos os teus documentos e sabemos onde moras, o teu nome e a escola. As tuas roupas desapareceram por causa do nevoeiro. – Assenti para que ele percebesse que estava compreendido. – Vamos tratar das tuas feridas, pode ser? – Perguntou-me.
                -Sim – murmurei. Damien, parece ter ficado admirado por eu ter falado pela primeira vez e acabou por me sorrir.
                -Uau, falou – riu-se Gui e pegou numa mala saindo da casa de banho e seguindo à nossa frente para um quarto com vários tons de cor-de-rosa, era grande mas para o tipo de pessoa que parecia ser era demasiado pequeno.
                -Veste-te depois ou agora? – Perguntou Damien fazendo-me virar para ele, parecia só fazer a               aquela pergunta para me ouvir falar.
                -Depois – respondi. O rapaz sorriu-me ajudando-me a deitar na cama de barriga para baixo e puxou a toalha para trás de modo a que se visse as feridas todas. Eles estiveram os dois parados por alguns segundos e examina-las enquanto eu tentava não gritar para pararem de me tocar devido às dores. Já tinha tido várias feridas, o facto de ser desastrada e os assaltos são umas das razões, mas nunca me tinham infligido algo tão doloroso quanto estas. Quando começaram finalmente a trabalhar eu percebi o que faziam; limpavam as feridas, desinfectavam-nas, e colocaram, ainda, um produto para que elas cicatrizassem, respirei de alívio quando decidiram colocar também um analgésico.
                -Está feito, agora não podes fazer movimentos bruscos – avisou-me Damien com o seu cabelo preto que estivera em pé, agora colado à testa. Assenti e ele levantou-se enquanto eu me sentava com a toalha à minha volta – agora é melhor vestir-te, está a nevar lá fora. – Olhei para trás percebendo que o que ele dissera era verdade. Já era de dia e nevava abundantemente.
                -Mas estamos na Califórnia … - e aqui não neva, queria dizer mas a minha voz sumiu-se e eu percebi que estava a entrar numa grande constipação.
                -Veste o pijama, eu já te trago remédio para isso – sorriu-me e vi Gui a revirar os olhos.
                -Está aqui roupa – Avisou-me Gui abrindo um armário branco com algumas flores nos cantos, mas ao contrário do que parecia aquele armário não era um qualquer, quando se abria as portas podia ver-se uma outra divisão quase com a mesma área do quarto e ainda havia outra porta que dizia em letras gordas e rosas WC – Podes usar a Amy não anda por cá – assenti com a cabeça um pouco deslumbrada por ver tanta roupa. Levantei-me debilmente e Damien ao perceber que não estava muito segura ajudou-me.
                -Talvez também precises de comer. – sugeriu enquanto pegou num pijama quente e cor de rosa com mais um robe que felizmente era branco. Sempre detestei rosa, só de estar naquele quarto sentia-me mais enjoada do que já estava. – Veste isto, nós estamos na cozinha, desces as escadas e viras à esquerda.
                -Obrigada – murmurei enquanto os via sair. Vesti o pijama calmamente e percebi que tinha frio por isso vesti também o robe. Antes de descer, fui à janela e vi que já não existia nenhum nevoeiro, apenas neve em muita quantidade que cobria telhados, carros e os poucos chapéus-de-chuva que andavam pela rua. Como podia estar a nevar no outono? Melhor, como podia estar a nevar na Califórnia? A minha barriga deu horas, por isso desisti da ideia de tentar perceber porque raio é que estava a nevar neste Estado e segui as instruções de Damien para a cozinha. Encontrei-os vendo-os atarefados a cozinhar qualquer coisa para nós e perguntei-me quem vivia naquela casa com eles. Uma rapariga chamada Amy que estava fora, e mais quem? A casa era demasiado grande para três pessoas. Quando Gui me viu ajudou-me a sentar examinando as minhas feridas que agora não doíam absolutamente nada graças aos analgésicos.
                -Está feito. – Anunciou Damien servindo-me um prato com uma omeleta/omelete outro com morangos e ananás e um copo com sumo e laranja.
                -Isto é muita coisa – pela primeira vez sorri ao olhar para Damien e ele riu-se. Na verdade não me apetecia muito fazê-lo, sempre que o fazia lembrava-me de Ryan, mas não queria parecer mal-educada.
                -É, mas precisas de ficar forte para percebermos o que se passou contigo – Declarou Gui e eu suspirei ao lembrar-me de tudo. Um nó atou-se no meu estômago e agora não me apetecia comer, mas ele tinha razão, eu precisava de ficar forte e também eu precisava de perceber o que se tinha passado comigo. Comecei por comer a omeleta e acabei nos morangos acabando com tudo o que eles me tinham dado. A princípio tinha pensado que talvez fosse comida a mais, mas a verdade é que me deu muito jeito. Gui sorriu satisfeito ao perceber que me encontrava melhor e ajeitou-se à minha frente.
                -Posso fazer-te umas perguntas?  - Perguntou e eu suspirei olhando para baixo. Não, quero ir dormir. Era o que lhe queria dizer.
                -Podes.
                -Se calhar é melhor não fazer agora, ainda é tudo muito recente – interrompeu Damien justamente quando Gui ia começar. Suspirei não me apetecendo assistir a uma discussão entre eles, mas dava algum crédito a Damien, sabia que ele não me queria despertar sentimentos maus, assim como eu também não.
                -É por isso mesmo que lhe quero fazer agora as perguntas, está tudo muito recente e ela lembrasse melhor das coisas. – defendeu-se Gui com um olhar amuado para Damien, mas também dava um crédito a Gui porque ele só queria descobrir o que se passava, assim como eu.
                -Na verdade não me lembro de muita coisa – anunciei mordendo o lábio. Gui suspirou colocando os cotovelos na mesa e cruzando os braços. Endireitou-se mais para mim e deu-me um sorriso afável, ao qual eu não liguei, o que o fez retira-lo imediatamente.
                -Lembraste de quando o nevoeiro começou? – Perguntou-me e eu assenti dizendo que sim. – O que sentiste? – Olhava directamente para mim com os seus olhos azuis esverdeados a perfurarem os meus.
Estremeci ao lembrar-me do que senti. Dor, pavor, incompreensão.
                -Senti aquelas rochas a tentarem cravar-se na minha pele – senti uma impressão no meu ombro e estremeci. Damien sentou-se ao meu lado olhando-me atentamente. – Estava à procura do meu namorado – mordi o lábio para não chorar e parei durante um bocado para me acalmar. Lembrei-me do meu fracasso ao ter chorado agarrada ao braço de Damien e senti-me corar um pouco olhando de esguelha para ele, que me sorriu. Só voltei a falar quando tive a certeza que não voltaria a fracassar. – E encontrei-o, não percebia porque é que ele estava com mais dores que eu, mas estava, – parei novamente – e depois morreu, com… -  senti a mão de Damien no meu braço pedindo para parar e assentiu percebendo que já tinham percebido.
                -Ele não está morto, muito pelo contrário – anunciou-me Gui com uma ponta de ironia. Damien olhou para ele de repente e censurou-o com o olhar enquanto serrava os punhos.
                -Estás parvo Gui? – Gritou-lhe e consegui perceber que não estava chateado nem irritado, apenas com medo – Isso é confidencial! – acrescentou num tom mais baixo como se houvesse mais alguém em casa, o que acreditava não estar.
                -Ela devia estar no mesmo sítio que ele, não está porque não se comportou da mesma maneira que o namorado – reagiu Gui em sua defesa – para além disso, é namorado dela, ela deve saber – Damien calou-se e encostou-se à cadeira enquanto eu olhava para os dois sem perceber como devia ficar.
                -O quê? – Perguntei sem voz, tinha estado tão atenta à maneira como aqueles dois falavam mas parecia não conseguir perceber o que eles diziam.
                -Existem coisas complicadas que nem nós percebemos – Disse-me Gui.
                -Não é isso – murmurei levantando-me e colocando os dedos levemente em cima da mesa. - Eu vi a rocha… - disse devagar – é impossível.
                -Nós também, há muitos como ele nesta situação…
                -Gui! – Resmungou Damien – Pára, o pai pediu-nos…
                -Não interessa o que ele nos pediu, ele provavelmente vai chegar e vai querer estuda-la. Ah! E adivinha, tanto a ela como a ti – gritou Gui levantando-se na direcção dele e acabando por sair porta fora.
Não adiantava, estava demasiado confusa não conseguia perceber como é que Ryan estava vivo e isso assustava-me mais do que se ele estivesse morto e eu me sentisse completamente desprotegida.
                -Porque é que ele disse aquilo?
                -Porque estamos os dois vivos.

 

Quem quiser que eu avise que postei diga.

Quero 6 comentários.

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publicado por Cate J. às 18:41
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