Domingo, 8 de Janeiro de 2012

2. Alívio não existe.

 

2. Alívio não existe.

 


2.1 Margaret

 Sentia o meu corpo molhado ao contrário dos últimos momentos em que estive acordada, chegou a estar tão seco que fazia a pele estalar, proporcionando uma dor nada atraente. Pestanejei com força e olhei para à frente vendo o chuveiro a mandar água para cima de mim. Tinha uma mão a segurar-me na cabeça e outra nos ombros.
                -Tinhas razão, ela está a acordar. – ouvi um rapaz com uma voz preocupada, o outro disse algo que não consegui perceber enquanto se ria. -Cala-te. – Resmungou o primeiro. Olhei para o meu corpo e encolhi-me ao perceber que estava nua e que tinha rapazes a olharem-me. O primeiro rapaz que falou, arregalou os olhos verdes e abriu a boca como se fosse pedir desculpas, era o rapaz que me tinha agarrado e tirado do nevoeiro, o outro era o que tinha levado Ryan… - Vai buscar uma toalha. – mandou sem me dizer nada.
                -Porquê eu? – Perguntou o que estava em pé a olhar.
                -Vai Gui – ordenou o que me tinha segurado levantando-se enquanto eu me tapava com as mãos. O suposto Gui foi buscar-me a toalha e estendeu-a ao outro com um sorriso divertido. O rapaz tapou-me e eu levantei-me um bocado fraca e com as feridas nas minhas costas a arderem por causa do toque rugoso da toalha branca.
                -Chamo-me Damien – sorriu o rapaz enquanto me ajudava a sair da banheira e depois apontou para o outro – Este é o Gui de Guilherme. Vimos os teus documentos e sabemos onde moras, o teu nome e a escola. As tuas roupas desapareceram por causa do nevoeiro. – Assenti para que ele percebesse que estava compreendido. – Vamos tratar das tuas feridas, pode ser? – Perguntou-me.
                -Sim – murmurei. Damien, parece ter ficado admirado por eu ter falado pela primeira vez e acabou por me sorrir.
                -Uau, falou – riu-se Gui e pegou numa mala saindo da casa de banho e seguindo à nossa frente para um quarto com vários tons de cor-de-rosa, era grande mas para o tipo de pessoa que parecia ser era demasiado pequeno.
                -Veste-te depois ou agora? – Perguntou Damien fazendo-me virar para ele, parecia só fazer a               aquela pergunta para me ouvir falar.
                -Depois – respondi. O rapaz sorriu-me ajudando-me a deitar na cama de barriga para baixo e puxou a toalha para trás de modo a que se visse as feridas todas. Eles estiveram os dois parados por alguns segundos e examina-las enquanto eu tentava não gritar para pararem de me tocar devido às dores. Já tinha tido várias feridas, o facto de ser desastrada e os assaltos são umas das razões, mas nunca me tinham infligido algo tão doloroso quanto estas. Quando começaram finalmente a trabalhar eu percebi o que faziam; limpavam as feridas, desinfectavam-nas, e colocaram, ainda, um produto para que elas cicatrizassem, respirei de alívio quando decidiram colocar também um analgésico.
                -Está feito, agora não podes fazer movimentos bruscos – avisou-me Damien com o seu cabelo preto que estivera em pé, agora colado à testa. Assenti e ele levantou-se enquanto eu me sentava com a toalha à minha volta – agora é melhor vestir-te, está a nevar lá fora. – Olhei para trás percebendo que o que ele dissera era verdade. Já era de dia e nevava abundantemente.
                -Mas estamos na Califórnia … - e aqui não neva, queria dizer mas a minha voz sumiu-se e eu percebi que estava a entrar numa grande constipação.
                -Veste o pijama, eu já te trago remédio para isso – sorriu-me e vi Gui a revirar os olhos.
                -Está aqui roupa – Avisou-me Gui abrindo um armário branco com algumas flores nos cantos, mas ao contrário do que parecia aquele armário não era um qualquer, quando se abria as portas podia ver-se uma outra divisão quase com a mesma área do quarto e ainda havia outra porta que dizia em letras gordas e rosas WC – Podes usar a Amy não anda por cá – assenti com a cabeça um pouco deslumbrada por ver tanta roupa. Levantei-me debilmente e Damien ao perceber que não estava muito segura ajudou-me.
                -Talvez também precises de comer. – sugeriu enquanto pegou num pijama quente e cor de rosa com mais um robe que felizmente era branco. Sempre detestei rosa, só de estar naquele quarto sentia-me mais enjoada do que já estava. – Veste isto, nós estamos na cozinha, desces as escadas e viras à esquerda.
                -Obrigada – murmurei enquanto os via sair. Vesti o pijama calmamente e percebi que tinha frio por isso vesti também o robe. Antes de descer, fui à janela e vi que já não existia nenhum nevoeiro, apenas neve em muita quantidade que cobria telhados, carros e os poucos chapéus-de-chuva que andavam pela rua. Como podia estar a nevar no outono? Melhor, como podia estar a nevar na Califórnia? A minha barriga deu horas, por isso desisti da ideia de tentar perceber porque raio é que estava a nevar neste Estado e segui as instruções de Damien para a cozinha. Encontrei-os vendo-os atarefados a cozinhar qualquer coisa para nós e perguntei-me quem vivia naquela casa com eles. Uma rapariga chamada Amy que estava fora, e mais quem? A casa era demasiado grande para três pessoas. Quando Gui me viu ajudou-me a sentar examinando as minhas feridas que agora não doíam absolutamente nada graças aos analgésicos.
                -Está feito. – Anunciou Damien servindo-me um prato com uma omeleta/omelete outro com morangos e ananás e um copo com sumo e laranja.
                -Isto é muita coisa – pela primeira vez sorri ao olhar para Damien e ele riu-se. Na verdade não me apetecia muito fazê-lo, sempre que o fazia lembrava-me de Ryan, mas não queria parecer mal-educada.
                -É, mas precisas de ficar forte para percebermos o que se passou contigo – Declarou Gui e eu suspirei ao lembrar-me de tudo. Um nó atou-se no meu estômago e agora não me apetecia comer, mas ele tinha razão, eu precisava de ficar forte e também eu precisava de perceber o que se tinha passado comigo. Comecei por comer a omeleta e acabei nos morangos acabando com tudo o que eles me tinham dado. A princípio tinha pensado que talvez fosse comida a mais, mas a verdade é que me deu muito jeito. Gui sorriu satisfeito ao perceber que me encontrava melhor e ajeitou-se à minha frente.
                -Posso fazer-te umas perguntas?  - Perguntou e eu suspirei olhando para baixo. Não, quero ir dormir. Era o que lhe queria dizer.
                -Podes.
                -Se calhar é melhor não fazer agora, ainda é tudo muito recente – interrompeu Damien justamente quando Gui ia começar. Suspirei não me apetecendo assistir a uma discussão entre eles, mas dava algum crédito a Damien, sabia que ele não me queria despertar sentimentos maus, assim como eu também não.
                -É por isso mesmo que lhe quero fazer agora as perguntas, está tudo muito recente e ela lembrasse melhor das coisas. – defendeu-se Gui com um olhar amuado para Damien, mas também dava um crédito a Gui porque ele só queria descobrir o que se passava, assim como eu.
                -Na verdade não me lembro de muita coisa – anunciei mordendo o lábio. Gui suspirou colocando os cotovelos na mesa e cruzando os braços. Endireitou-se mais para mim e deu-me um sorriso afável, ao qual eu não liguei, o que o fez retira-lo imediatamente.
                -Lembraste de quando o nevoeiro começou? – Perguntou-me e eu assenti dizendo que sim. – O que sentiste? – Olhava directamente para mim com os seus olhos azuis esverdeados a perfurarem os meus.
Estremeci ao lembrar-me do que senti. Dor, pavor, incompreensão.
                -Senti aquelas rochas a tentarem cravar-se na minha pele – senti uma impressão no meu ombro e estremeci. Damien sentou-se ao meu lado olhando-me atentamente. – Estava à procura do meu namorado – mordi o lábio para não chorar e parei durante um bocado para me acalmar. Lembrei-me do meu fracasso ao ter chorado agarrada ao braço de Damien e senti-me corar um pouco olhando de esguelha para ele, que me sorriu. Só voltei a falar quando tive a certeza que não voltaria a fracassar. – E encontrei-o, não percebia porque é que ele estava com mais dores que eu, mas estava, – parei novamente – e depois morreu, com… -  senti a mão de Damien no meu braço pedindo para parar e assentiu percebendo que já tinham percebido.
                -Ele não está morto, muito pelo contrário – anunciou-me Gui com uma ponta de ironia. Damien olhou para ele de repente e censurou-o com o olhar enquanto serrava os punhos.
                -Estás parvo Gui? – Gritou-lhe e consegui perceber que não estava chateado nem irritado, apenas com medo – Isso é confidencial! – acrescentou num tom mais baixo como se houvesse mais alguém em casa, o que acreditava não estar.
                -Ela devia estar no mesmo sítio que ele, não está porque não se comportou da mesma maneira que o namorado – reagiu Gui em sua defesa – para além disso, é namorado dela, ela deve saber – Damien calou-se e encostou-se à cadeira enquanto eu olhava para os dois sem perceber como devia ficar.
                -O quê? – Perguntei sem voz, tinha estado tão atenta à maneira como aqueles dois falavam mas parecia não conseguir perceber o que eles diziam.
                -Existem coisas complicadas que nem nós percebemos – Disse-me Gui.
                -Não é isso – murmurei levantando-me e colocando os dedos levemente em cima da mesa. - Eu vi a rocha… - disse devagar – é impossível.
                -Nós também, há muitos como ele nesta situação…
                -Gui! – Resmungou Damien – Pára, o pai pediu-nos…
                -Não interessa o que ele nos pediu, ele provavelmente vai chegar e vai querer estuda-la. Ah! E adivinha, tanto a ela como a ti – gritou Gui levantando-se na direcção dele e acabando por sair porta fora.
Não adiantava, estava demasiado confusa não conseguia perceber como é que Ryan estava vivo e isso assustava-me mais do que se ele estivesse morto e eu me sentisse completamente desprotegida.
                -Porque é que ele disse aquilo?
                -Porque estamos os dois vivos.

 

Quem quiser que eu avise que postei diga.

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publicado por Cate J. às 18:41
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Domingo, 1 de Janeiro de 2012

1. Nevoeiro

Desculpem perdi-me no tempo, quando vi as horas até fiquei assustada.

Espero que gostem, depois vou dizendo mais sobre personagens e assim...

 

Aviso: Primeiros capitulos bastante dramáticos e pode existir possiveis aborrecimentos, por favor, continuem em ler porque mais para a frente até que nem é mau de todo. (acho)

 

 

1. Nevoeiro

 

 

 

 

 

 


1.1 Margaret

        O dia estava a custar a passar visto que nem de manhã tinha estado com Ryan. Depois de uma segunda-feira de aulas até às seis horas da tarde, Laila arrastou-me até à aula suplementar de química onde tive que estar até agora. O meu cérebro já queria sair para férias. Olhei para o relógio impaciente por um autocarro para onde pudesse ir ter com o meu namorado e vi que já eram nove horas, a minha barriga estava a dar horas há algum tempo e a única coisa que queria fazer era adormecer no colo de Ryan como já tinha feito algumas vezes.
                Despertei dos meus pensamentos e da música que estava embrulhada entre os mesmos ao ver, finalmente, o autocarro. Fui a primeira a entrar e a sair dando encontrões a várias pessoas, e pedindo desculpas repetidamente. A verdade era que nem me importava, era apenas uma questão de boa educação para que as pessoas não pensassem mal de mim. Depois de passar pelo centro da cidade, entrei na rua mais deserta que havia, não por ser mais rápido mas porque era mesmo ali que Ryan vivia, numa rua deserta em que apenas existia uma casa, a dele. Uma casa que por acaso era muito cheia de gente simpática onde eu adorava passar tempo, já que a minha era grande e vazia, onde apenas eu e a minha avó vivíamos.
                Eu e Ryan tínhamo-nos conhecido nas aulas de biologia, em que ele se teve que sentar contrariado ao pé de mim, por causa do seu mau comportamento com Richard, o seu melhor amigo. Sempre o tinha detestado, achava-o mimado e convencido, mas quando ele se sentou, me olhou e sorriu para mim com uma sinceridade que não conhecia nele, eu apenas senti o meu coração a bater tão rápido que pensei estar a ter algum ataque. Começámos a falar e a conhecer-nos até que me apercebi que gostava dele, é claro que, não gostava incondicionalmente dele. Não estava apaixonada, nem dramatizava o meu amor por ele, mas o que sentia era algo sereno, pacifico e eu gostava. Aliás, gostávamos os dois, caso contrário não estaríamos juntos e felizes.
Ouvi uma música conhecida e uma vibração no meu bolso. Peguei no meu telemóvel, atrapalhadamente, por causa da carga que tinha às costas e nos braços e atendi ouvindo a voz grossa, mas amorosa de Ryan.
                -Então? Vens ter comigo hoje? – perguntou-me mal atendi não me dando tempo de lhe dizer olá. A voz dele estava estranha e isso deixa-me preocupada.
                -O que tens? – Perguntei.
                -Olha para cima – pediu e eu fiz o que ele pediu vendo o seu sem estrelas. Mordi o lábio, onde estávamos era quase impossível não ver estrelas, não havia luz e o céu estava praticamente limpo. – O tempo está meio esquisito e a minha irmã não pára de chorar. – suspirou cansado.
                -Eu já estou quase a chegar. – Anunciei-lhe vendo a sua casa ao longe um pouco dentro da vegetação, parecia uma casa da árvore gigante.
                -Ah, já te estou a ver.  – Disse-me e eu franzi os olhos vendo uma figura muito escura a movimentar-se enquanto um nevoeiro se instalava atrás dele.
                -O que tem a tua irmã? Os teus pais voltaram a discutir? – Consegui vê-lo a abanar a cabeça enquanto colocava a mão à frente da boca. Pelo auscultador ouvi a tosse seca dele como se fumasse à anos.
                -Não, ela está a chorar sem razão – voltou a tossicar e o nevoeiro que apenas o tinha envolvido a ele à minutos atrás veio na minha direcção fazendo o mesmo a mim. Olhei em volta confusa com aquilo, era um nevoeiro estranho, apesar de ser de noite ele era demasiado negro. – Estás a ver? – Perguntou com uma voz demasiado rouca para perceber o que sentia. Não tive tempo de lhe responder porque a única coisa que conseguia ouvir era um ruído ao telemóvel por causa de uma vaga de tosse que lhe apareceu. Olhei para trás, a única coisa que conseguia ver era cinzento, branco e preto, não conseguia perceber se o nevoeiro estava a engolir também a cidade ou se era só a nós.  – Margaret vai-te embora – disse Ryan depois de conseguir respirar.
                -Estás bem? - perguntei ignorando-o e continuando a andar para ver se o encontrava.
                -Não andes mais - pediu-me. Conseguia ouvir algo a cair no chão, nada parecida a chuva, algo mais forte, duro e que podia magoar. A imagem de uma pedra aguaçada apareceu-me mesmo à frente fazendo-me dar um pequeno grito. Respirei fundo tentando voltar ao normal e ouvi um gemido doloroso de Ryan.
                -Ryan? – Gritei tanto para o telemóvel como para a rua. Obtive a resposta de um grito doloroso que escapou da boca dele.
Como conhecia aquela rua como as palmas da minha mão corri na direcção em que sentia que ele podia estar. A cada passo que dava conseguia perceber que a chuva de piroclastos, ou até meteoritos, o que quer que fosse, estava mais forte e com mais velocidade. Era como se aquelas rochas aguçadas estivessem a ser projectada apenas na minha direcção e só na minha, mas sabia que Ryan também estava em apuros. Assim que cheguei a uma zona que as rochas caiam continuamente deixei as minhas coisas da escola caírem no chão fazendo com que algumas me rasgassem tanto a roupa como a carne. Tive que parar pelo menos dois minutos e sentar-me no chão para poder proteger a cabeça de possíveis embates, felizmente ao fim de esses dois minutos a “chuva” parou e não existia nada sólido, apenas um gás forte que nunca tinha sentindo ou ouvido falar, era quase um ácido que fazia o nosso corpo arder. Levantei-me enquanto abri os olhos tentando ver alguma coisa, mas apenas conseguia ver sombras e os meus olhos ardiam, ao olhar para a minha roupa apercebi-me que metade da minha manga do casaco estava queimada, não em chamas, mas sim queimada. A minha garganta estava tão inflamada que tinha que fazer força para conseguir respirar. Olhei para a minha mão, o meu telemóvel estava em pedaços enquanto as minhas mãos sangravam.
                -Ryan! – Gritei com a voz rouca e quase a desaparecer, não sabia se era suficiente para ele ouvir, mas esperava que fosse, não queria que ele estivesse pior que eu.
                -Mar – quase que não ouvi, mas sempre tive uma bua audição e um bom sentido de orientação. Olhei para todos os lados com lágrimas a verterem dos meus olhos, não por queria ou porque tinha medo, mas por causa do ácido que me penetrava. Apenas consegui ver Ryan quando tropecei nele. Estava no chão repleto de sangue, com uma ferida aberta e feia de baixo do olho e a tremer. Tinha tanta roupa como. Conseguia vê-las a desaparecer por causa do ácido. 
                Murmurei o nome dele ajoelhando-me ao lado dele e tentei colocar um dos seus braços à volta do meu pescoço, mas acabei por cair sentindo o meu pescoço e costas a arder. Consegui, até, sentir o sangue escorrer-me cintura a baixo. Agora sim, chorava com medo de me perder a mim e a ele.
                -Sai daqui, tenta fugir – apenas um fiozinho da sua voz restava, a sua garganta estava muito inflamada, ainda conseguia estar pior que a minha, conseguindo perceber isso a olho nu.
                -Consegues andar pelo menos? – Perguntei a soluçar, nem eu tinha forças para a andar, mas queria ter esperança.
                -Não Mar, vai – pediu-me ele agarrando-me na roupa que restava e puxando-me para ele – fica com isto – agarrou-me na mão e deu-me um anel que eu neste momento só conseguia sentir.
                -Não sejas estúpido Ryan – Gritei-lhe irritada – achas mesmo que eu te vou deixar sozinho? E achas mesmo que vais morrer por causa desta treta? – Perguntei-lhe possessa. Mais uma vez, tentei agarrar nele, mas nem eu nem ele tínhamos forças para nos aguentarmos em pé. Depois da décima tentativa caí no chão de joelhos, derrotada e a chorar compulsivamente. A minha roupa continuava a desaparecer e a de Ryan também, apenas não percebia como é que não nos queimava também a pele, apenas ardia mas não causava efeito nenhum.
Ouvi um barulho arrastado e doente, como se alguém tivesse uma asma horrível e não existisse uma bomba por perto. Olhei para baixo, para Ryan e apercebi-me que era ele. Estava a tentar respirar mas não conseguia e fazia força com as mãos para não gritar. Mas quando não aguentou mais fê-lo e gritou como nem nos filmes tinha visto. Um grito que me arrepiou toda e me paralisou.
                -Ryan. – murmurei agarrando na mão dele, ainda conseguia sentir o anel que ele me tinha dado entre as nossas mãos, mas nem olhado para ele tinha.
                -Eu não aguento mais – gritou ele como se tivesse melhorado da voz, mas nada da parte da respiração – arde em todo o sítio – disse apertando-me a mão com tanta força que me fez dar um guincho. – Desta vez não tens razão.
                -Cala-te – pedi não gostando do que estava a ouvir.
Olhei para o céu e vi que o nevoeiro estava a desaparecer, já conseguia ver as estrelas mais brilhantes e a lua. Olhei para Ryan com melhor visibilidade e beijei-lhe as mãos.
                -O nevoeiro passou – disse-lhe enquanto limpava as lágrimas. - Vai tudo correr bem – garanti, mas ele negou com a cabeça a arquejar e a gemer com dores.
                -Eu preciso… - Aproximei-me dele para o ouvir melhor – que me ajudes.  – Assenti levantando-me mas ele apertou-me mais as mãos – pega num… – engoliu em seco mas não foi preciso que ele acabasse para que eu percebesse o que ele queria. Abanei a cabeça largando-o e afastando-me como um gato abandonado.
 Ele fechou novamente os punhos e arquejou com mais força, tinha os olhos cheios de lágrimas assim como estavam os meus. Apostava que ardia mais a ele do que a mim, mas não percebia porquê. Porque é que também não estava como ele.
                -Margaret – tratou-me pelo nome completo e eu cerrei os dentes, detestava que ele me chamasse assim, só o fazia quando estava chateado ou para me chamar à atenção de algo. – Eu vou morrer de qualquer maneira – conseguia ver o suor a sair do seu corpo e a escorrer, principalmente da sua cara molhando o seu cabelo. Num ápice o nevoeiro voltou e com mais força fazendo-me fechar os olhos com força e aconchegar-me no peito de Ryan não me dando tempo para ralhar com ele. A “chuva” recomeçou fazendo dar um pequeno gemido quando senti uma rocha pontiaguda a perfurar-me o ombro e rasga-lo. Não me mexi durante um bocado enquanto estava encostada a Ryan, mas sabia que o tinha que o tirar dali o mais rápido possível. Respirei fundo tentando ganhar força enquanto sentia tudo a arder e assim que levantei a cabeça para olhar para Ryan paralisei. Estava com os olhos abertos, vidrados, e no seu peito, no mesmo lugar onde devia estar o seu coração havia uma rocha em forma de estaca cravada nele. Entrei em choque enquanto olhava para ele aproximando-me da sua face e olhando-o.
                -Ry… - não consegui dizer o nome dele porque uma dor no peito saiu de mim e soluços apareceram fazendo-o chorar sem parar. Sentia as minhas costas a latejarem mas neste momento não conseguia reagir. Passei a mão pelo seu pescoço e a seguir pela sua face acabando nos seus olhos para fecha-los.

 

1.2 Damien

O suposto nevoeiro estava novamente mais forte para sul, mas onde estávamos ainda não havia rasto dele. Não conseguia perceber como ele se movia, ele tinha fim e tinha início e parecia aparecer onde quisesse por um tempo indeterminado, quase como se pensasse, mas isso não era possível. Tudo o que eu conseguia ver ou era ruas desabitadas ou eram mortos. Havia mortos de dois tipos, os que se matavam por causa da dor que o nevoeiro causava, ou mortos por causa das rochas gigantes afiadas em forma de agulha, vindas do ar com origem desconhecida. Isto era a coisa mais estranha que os habitantes do planeta jamais tinham visto, para mim não era estranho, era horrível. Só eu e Gui, o meu irmão, sabíamos o que era estar a recolher corpos, alguns deformados, na estrada, no pinhal, em casas desconhecidas e em tantos outros sítios sem ver qualquer vida ou esperança para aqueles sujeitos. Vi um vulto a mover-se e estiquei-me como que se assim conseguisse ver melhor. Olhei para Gui que estava distraído a vestir-se, também devia fazê-lo, se não o fizesse metia-me em alhadas, mas sentia-me na obrigação de salvar a pessoa que ainda estava viva. E se eu me vestisse e entretanto a pessoa morresse? Não, isso não podia acontecer, o mais provável era eu desistir, pois sinceramente já não aguentava mais isto. Comecei a correr na direcção do vulto e ouvi Gui atrás de mim a gritar-me.
                -Damien acaba de te vestir! – Gritou e eu ainda olhei para trás.
                -Não posso. – Disse deixando Gui atrás de mim a olhar-me enquanto eu corria o mais rápido que conseguia. Vestir o fato era difícil e demorava algum tempo, era quase como o de um astronauta, era branco, tinha uma botija com oxigénio e resistente a coisas afiadas, como as rochas que caíam por vezes, como eram pesadas, era difícil andar, correr e ajudar quem quer fosse, praticamente eram feitos para nos proteger do nevoeiro enquanto nós recolhíamos apenas os mortos.
Estava mesmo perto do vulto quando tropecei na minha sapatilha que tinha o mesmo tecido do fato, senti uma dor no pé, agora meio nu porque ela estava a sair, mas nem dei caso, levantei-me assim que pude e olhei para a miúda que estava deitada sobre o peito de um rapaz morto por uma das rochas. Não conseguia perceber se tinha sido ela a mata-lo ou se ele já estava ferido de mais e a rocha apanhou-o em cheio. Respirei fundo com as dores no pé já a aparecerem e aproximei-me da miúda.
                -Hey – murmurei fazendo-a olhar para mim enquanto conseguia ver os seus punhos ensanguentados a formarem uma bola por ela os estar a apertar tanto. Examinei-a só por alguns segundos pois queria tira-la dali o mais rápido possível.
Estava com as costas rasgadas, desde o pescoço até meio destas, devido às rochas, assim como no seu ombro. A cor dos seus olhos e o facto de ela estar nua deviam-se ao ácido que estava envolvido pelo nevoeiro.
Gui chegou ao pé de mim e mandou-me um olhar irritado que eu conseguia ver apesar do escuro e da máscara que trazia.
                -Tens a noção do que fizeste? – Gritou-me. Tinha razão para estar zangado, mas moderar isso por causa da rapariga.
                -Falamos depois. – Pedi-lhe e ele cerrou os dentes.
                -Fogo Damien! – Foi apenas o que disse e olhou para o rapaz morto. Com mais cuidado do que com os outros, visto que a rapariga o seguia com os olhos, agarrou nele e foi embora. – Vou pô-lo com os outros – avisou-me e eu levantei a rapariga ao meu colo.
                -E ela? Para onde a levo? – Perguntei, não tínhamos autorização nenhuma para levar-vos as pessoas vivas, mas se estivéssemos mais algum tempo naquele sitio tinha receio que ela acabasse como os outros.
                -Decides sempre tu as coisas, não é? Então leva-a para onde quiseres, já deve estar para morrer mesmo. – Pronunciou num tom azedo que fez a rapariga arrepiar-se a agarrar com força no colarinho do meu fato. Suspirei agarrando-a com força e levei-a onde o nevoeiro já não chegava e felizmente era lá que estava o nosso carro. Coloquei-a sentada no banco de trás enquanto eu fui para o do condutor, por mais que eu quisesse não conseguia aguentar à tentação de olha-la. Tinha um corpo onde eu só conseguia ver curvas, mas apesar disso era magra, a sua pele era branca e pálida para contrastar com o seu cabelo que era negro assim como os seus olhos que parecia estar a ficar com uma cor escura. Olhava para mim sem perceber que eu a olhava, conseguia sentir que estava meio atordoada e assustada.
                -Vais-me falar não vais? – Perguntei para ver se ela me respondia a alguma coisa, mas ela nada disse. Olhei para as suas mãos cheias de sangue que tremiam e vi os seus olhos ficaram encharcados de lágrimas. Segurei numa das suas mãos e ela agarrou-se ao meu braço quando já não aguentou com as lágrimas apertando-o com força até adormecer pesadamente.


 

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publicado por Cate J. às 18:27
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